Colo, mãos e portas
COLO
Ah, aquela mulher!
Charme, magnetismo, ancas largas, lábios grossos!
Assim que meus olhos repousaram naquele colo perfeito, enfeitado por singela corrente de prata, tive certeza de que ela seria minha amiga.
Como pode alguém se apaixonar pelo colo de outro alguém, me perguntei.
No entanto, assim foi: paixão instantânea por um colo perfeito, depois ampliada para uma mente fascinante.
Chocolate quente em noite de inverno,
Táxi vazio na hora da chuva,
Um amigo fraterno,
Aroma de jasmim,
O calor da presença materna,
Seu colo o porto seguro
Da vida até o fim.
MÃOS
Unhas que eu mesma faço, imperfeitas, mas baratas.
Olho para elas agora.
O esmalte vermelho descascado nas beiradas, as unhas estranhamente compridas.
As manchas de sol e velhice disputando espaço com veias azuis saltadas.
Dedos finos, um anel ocasional.
Minhas mãos tocam o mundo devagar, sem ansiedade, amorosas, idosas.
Como desbravador ávido,
Suas mãos me tocam.
Como astronauta solitário,
Você me procura no escuro da noite
Permaneço imóvel, antecipo o gozo
Adivinho os próximos passos,
Como masoquista diante do açoite
PORTAS
Estou diante dela e hesito.
Devo bater, numa hora destas?
É madrugada.
Nada se move no interior da casa.
Me apoio na porta vermelha em busca de bom senso, à espera que ela me cochiche ao ouvido que devo partir sem apertar a campainha, mas meu peito explode em desejos guardados há gerações.
Você não me convidou. Não mandou mensagem, não deu aviso prévio de sua chegada.
Mesmo assim eu vim, aqui estou, tiritando na madrugada paulistana, indecisa sobre o que fazer, agora que cheguei à sua casa.
O cachorro do vizinho late sem parar. Ele sente meu cheiro de medo.
Porta, portal, portaria, portão, portinhola
Passagens daqui pra lá
Passa quem se move,
Chega, entra, espera, espia
Atiça o fogo, me comove
Com sua presença insólita
Devolve meu nome roubado
Minhas roupas, minha vida
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